Assédio no mundo cosplay: Por que o respeito é tão importante

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Apesar de ser um hobby relativamente novo, o cosplay vem conquistando o mundo. Mesmo quem não sabe o que cosplay quer dizer, já viu fotos na internet, vídeos e até mesmo reportagens sobre o tema, que vem despertando interesse e atraindo a atenção da mídia.

Fazer cosplay é se vestir do seu personagem favorito, seja de filmes, games, seriados, quadrinhos, animes, mangás e até mesmo personagens de criação própria. Os cosplayers, como são chamados aqueles que fazem cosplay, trabalham por meses preparando suas fantasias para finalmente as usarem e se apresentarem nos eventos de cultura pop, passando o dia tirando fotos com admiradores do hobby e participando de concursos que oferecem premiações pelos melhores cosplays.

Tudo parece apenas uma brincadeira, mas o hobby é levado bastante a sério por quem o pratica. E, apesar de parecer somente diversão, existem sim alguns aspectos não tão divertidos neste universo de fantasia. Com a popularização do cosplay como hobby, a diversidade de personagens que ganham vida através do trabalho do cosplayer é enorme e até mesmo personagens mais sensuais que existem nas diversas mídias citadas acima ganham espaço.

Durante os eventos de cultura pop e na internet, muitos casos de cosplayers sendo assediadas vêm acontecendo, não somente quando a personagem é sensual, mas às vezes, simplesmente por ser uma mulher fazendo cosplay. Nos casos de cosplays sensuais o desrespeito é muito maior, constrangendo a pessoa, parentes e conhecidos com exposições na mídia e comentários de má fé feitos em eventos.


Beatriz Ribeiro com seu cosplay de Judal de Magi. Foto: Mega Hero
"Eu sempre sou assediada em eventos de anime quando estou de cosplay. Desde quando eu tinha 14 anos, quando comecei, eu sofri os mais diversos tipos de assédio nos eventos. Às vezes vinha na forma de um olhar mal-intencionado, às vezes alguma garota desconhecida, extremamente excitada, se jogava em cima de mim e gritava 'Meu Deus eu amo esse personagem!'. Isso me deixava desconfortável, mas eu preferia respirar e seguir em frente com o meu dia", revela a cosplayer Beatriz Ribeiro, estudante de 18 anos e cosplayer de Salvador.

Por causa do reconhecimento imediato de alguns dos personagens mais famosos da cultura pop, a vontade de estar perto, tocar, é maior do que respeitar a pessoa que está por baixo das perucas, maquiagem e fantasia.

"Outra ocasião, e provavelmente a que me deixou menos confortável, foi quando um cara insistiu em tirar foto comigo me pegando pela cintura. Eu não conhecia o homem e embora eu tenha pedido pra ele tirar a mão de mim, ele deu risada e alisou a minha cintura, levando na brincadeira. E detalhe, a alguns metros de mim estava uma placa bem grande que dizia “Cosplay não é consentimento!” Mas claro que ele estava ocupado demais me checando para ler a placa", completa Ribeiro, ao se referir a algumas das situações que as cosplayers são obrigadas a passar durante os eventos onde ficam expostas.

Assédio Internacional


Cosplayer Jessica Nigri com o cosplay de Blood Elf. Foto: Reprodução/Facebook
Um caso sobre assédio cosplay ganhou reconhecimento na mídia recentemente quando uma cosplayer internacionalmente conhecida viajou como convidada para o evento Festigame no Chile. Jessica Nigri é conhecida por fazer diversos cosplays de personagens como Pokémons em versão sensual e durante sua passagem pela América Latina, a cosplayer desabafou no Twitter sobre o assédio que sofreu no Chile, quando o público gritava para ela no palco que seu cosplay de Blood Elf estava coberto demais, e em resposta ela saiu do palco e voltou vestida com um jeans e um moletom.

Mesmo com a troca de roupa os comentários persistiram e, após a convenção, Nigri reclamou em seu perfil no Facebook sobre o assédio e iniciou uma campanha dizendo que cosplays não são somente peitos e bundas de fora, mas sim sobre criatividade e diversão. Veja abaixo o texto que a cosplayer escreveu sobre o ocorrido.
This might get me a lot of shit but I have to talk about it...Today at Festigame in Chile, we had a cosplay contest....
Posted by Jessica Nigri on Sábado, 15 de agosto de 2015
O caso de Nigri é só um exemplo dos diversos tipos de assédio que as cosplayers vem sofrendo nas convenções e pela internet, mas que acabam não chegando a conhecimento público por não terem o alcance de 3.166.631 de seguidores no Facebook, até o fechamento desta matéria, mas que merecem tanta atenção quanto o caso da cosplayer norte-americana.

Apesar de passar por situações constrangedoras, as cosplayers não se inibem na hora de escolher o seu cosplay e não deixam de usar roupas mais decotadas e que deixam a barriga à mostra, demonstrando que o amor ao hobby e pelo personagem vem em primeiro lugar, mesmo sabendo ao que estão sujeitas a passar. O certo é que a conscientização venha do público e dos amantes de cosplay e não o contrário.

"É chato ter que dizer isso, mas por enquanto, o cosplayer precisa ter cuidado com o assédio, que é maior quando a cosplayer usando pouca roupa, mas eu jamais diria que é preciso se 'preservar' cobrindo o seu corpo. O cosplay é para diversão, e se você quer fazer um personagem com pouca roupa, não deixe o medo te impedir. O dever de manter o evento seguro é da organização", alerta Beatriz Ribeiro.

Cosplayer masculino e o assédio
Foto: Mega Hero


Para quem acha que assédio só acontece com as meninas, está enganado. Cosplayers masculinos também reclamam de assédio e também ficam receosos de fazer cosplay de um personagem com menos roupa.

"Como eu sou um cosplayer masculino acho que o assédio cai uns 80%. Na maioria das vezes, me abraçam pelo ombro, mas não pedem permissão e tenho um cosplay que foi manchado por causa disso. Muitas vezes crianças me abraçam, mas não me importo pois não têm malicia alguma nelas, agora tem gente que claramente fica muito animada ao ver o cosplay e me abraça, e se passam do limite peço licença e afasto com a palma da mão." diz Lucas Barbosa, estudante e cosplayer de 18 anos.

"Nunca sofri de mão boba, mas vou fazer um personagem com o torso nu e que usa uma saia, então tem esse risco de assédio, mas farei acessórios grandes então será difícil alguém me abraçar", complementa o rapaz.

Foto: Reprodução/Internet
Campanhas em eventos

O que deveria ser bom senso, tem virado campanha. Como o assédio à cosplayers aumentando as
organizações dos eventos estão tomando atitudes para que haja uma conscientização do público através de campanhas de respeito ao cosplayer. Assim é possível seguir nas redes sociais campanhas que estão sendo disseminadas por cosplayers e apoiadores da causa para que a vontade da pessoa embaixo da fantasia seja a primeira consideração do fã, e não seu amor pelo personagem. E não só isso, nos próprios dias de evento já é possível encontrar placas com mensagens que pedem respeito ao cosplayer, chegando até a ameaçar pessoas que não respeitarem os cosplayers serem retiradas do evento.

Diversas campanhas tem surgido pelo mundo a favor dos cosplayers, tentando fazer com que as
Foto: Reprodução/Internet
pessoas entendam a situação e respeitem o espaço e corpo do cosplayer, apesar de todo o amor pelo personagem. Nos Estados Unidos as grandes convenções já colocam na porta dos eventos as placas das campanhas que vem conquistando os cosplayers e aumentando o alcance do movimento.

"É importante ter a sinalização dentro do evento. No caso da SDCC -San Diego Comic Con, todos que compram ingressos recebem um e-mail de confirmação e nesse e-mail vem uma mensagem dizendo, basicamente, que não devem importunar os cosplayers. Nessa mesma convenção, existem diversas placas espalhadas pelo evento com a mesma mensagem", conta a cosplayer Beatriz Ribeiro sobre os eventos no exterior.

No Brasil campanhas de respeito ao cosplayer também já se espalham pelo país reforçando o movimento que já partia somente dos cosplayer e que agora com o apoio das organizações pode alcançar um público muito maior e repassar a mensagem de respeito para que os eventos possam se tornar puramente divertidos e sem constrangimentos, mas os cosplayer sempre lembram que estas campanhas, apesar de necessárias no momento, deveriam ser ações naturais do público, como explica a estudante e cosplayer Ariadne Vale da Silva.

"Eu acho que, sinceramente, isso tem que ser algo natural das pessoas. Respeitar o espaço alheio. Mas se as pessoas não têm consciencia disso (ou simplesmente não estão nem aí) seria legal umas campanhas de como tratar o cosplayer. Não que a gente seja algum tipo de celebridade, muito pelo contrário, somos tão gente quanto quem tá de roupa comum. E é exatamente por isso que pedimos espaço e respeito."

"As placas são legais, sim, mas é preciso mais do que avisos. A organização tem que estar sempre a postos e os staffs sempre alertas para receber denúncias, e caso seja confirmada, o infrator deve ser retirado do evento. Também seria interessante palestras ministradas por cosplayer dentro dos eventos, falando sobre o assunto. Por incrível que pareça, algumas pessoas, aquelas que carecem de bom-senso, acham que podem realmente assediar o cosplayer por considerá-lo uma atração. É preciso desconstruir essa ideia" conclui Beatriz Ribeiro.

Placa localizada em Salvador. "Estar de cosplay não quer dizer que você pode tocar." Foto: Mega Hero
Em Salvador,  quem passou pelo evento Bon Odori, em agosto, pôde observar uma placa que pedia respeito ao cosplayer no stand da 42 Cultura e Comunicação, produtora responsável pelo maior evento de cultura pop japonesa no Estado, o Anipólitan. Na placa está escrito: "Estar de cosplay não quer dizer que você pode tocar. Por favor, não toque no cosplayer sem permissão prévia do mesmo. Se quiser tirar uma foto com ele ou ela, peça. Compreenda caso diga não. Seja respeitoso e garanta um bom evento para todos."

O aviso é bastante explicativo e não deixa dúvida. A mensagem é a mesma no exterior e no nosso país. Ricardo Silva, responsável pela 42, conta o porquê desta placa ser necessária nos eventos que realiza ou participa.

"Colocamos este banner para ajudar na educação das pessoas sobre como se reportar com os cosplayer em eventos, pois tem pessoas que acham que o cosplayer tem a obrigação de interagir com elas e pensam que podem pegar nas roupas e acessórios que, muitas vezes, são frágeis e requerem um manuseio delicado. Isso ajuda a minimizar os possíveis transtornos entre público geral e cosplayer.", diz Silva.

Foto: Reprodução/Internet

Outra campanha disseminada nas redes sociais aqui no Brasil é Respeite o Cosplayer, lançada pela 4 Cosplay Magazine e apoiada pela página no Facebook, Melhores Cosplays do Mundo, Adrian Oliveira, o dono da página acredita que muitos dos transtornos poderiam ser evitados pedindo permissão e sendo educado com o próximo.

"A intenção do projeto é levar esse problema da falta de respeito com cosplayers para dentro dos eventos. Muitos cosplayers estão passando por momentos difíceis por causa de outras pessoas que não tem nenhum tipo de respeito. Já vi muitos casos de tirarem foto das partes intimas de cosplayers e a pessoa mostrar para os seus amigos. Isso acontece muito com mulheres", confessa Oliveira.

"Gosto que os cosplayers se sintam tranquilos em saber que existem pessoas que apoiam e protegem o direito de ir em eventos com mais tranquilidade e diversão", completa ele.

Cosplay à dois - Casal que faz cosplay junto

Isso tudo que acontece  já é bastante constrangedor quando quando se trata de um cosplayer que vai sozinho para o evento ou acompanhado de amigos, mas imagine quando um casal faz cosplay juntos e passa por situações diversas durante os eventos, às vezes presenciando um assédio ao seu par, como será que funciona isso? Em conversa com o casal Ana Luisa Simas e Victor Karl, eles contam suas experiências ao irem de cosplay juntos aos eventos.

"Quando se é cosplayer, geralmente você acaba chamando muita atenção para si, e com isso vem o assédio e comportamentos desconfortáveis em alguns casos, mas quando você namora uma pessoa que também pratica o hobby e faz cosplay junto com você é uma situação diferente", diz Victor Karl.

"Eu costumo ficar sempre de olho nas pessoas ao redor, quando, por exemplo, chamam minha namorada para tirar fotos e ela se distancia um pouco de mim, pois creio que todo cuidado é pouco para evitar situações desagradáveis", alerta Karl.

"Já senti necessidade de ter que me aproximar em alguns momentos, pois algumas pessoas acham que
Victor Karl de Hades e
Ana Luisa Simas de Cruela
Foto: Caue Borges
tem liberdade demais, mas nunca passei por nenhuma situação realmente tensa e espero não passar, porque não tenho a mínima paciência ou compreensão com pessoas que gostam de desrespeitar ou assediar cosplayers, ainda mais se a cosplayer no caso for minha namorada", conclui o cosplayer.

"Em qualquer esfera, mesmo fora do cosplay. Sofrer qualquer tipo de assédio é sempre péssimo", desabafa a cosplayer Ana Luisa Simas, namorada de Victor Karl.

"Muitos cosplayers já vão pros eventos sabendo que serão vítimas de assédio, seja físico (mão boba, rosto colado na hora da foto, etc) ou verbal. Mas se você for vítima de assédio não se omita, faça a pessoa passar vergonha, mostre panfletos/placas sobre o assunto, leve a um posto de atendimento do evento e denuncie", esclarece Simas.

"Andar em grupos geralmente intimida as pessoas mal intencionadas, mas nem sempre é garantia. O mais certo é demonstrar seu desconforto e "ensinar" que cosplayer não é objeto, que tem que respeitar", conclui a cosplayer.


O cosplay pode sim ser um hobby apenas prazeroso e divertido, mas é preciso que haja bom senso nos eventos e na internet para que os cosplayers sejam respeitados e possam levar para os eventos as personificações dos personagem favoritos de muitas pessoas. Lembre-se o cosplayer também é público do evento e possui o mesmo direito de se divertir que qualquer outra pessoa, por isso o respeito é essencial para que ambos aproveitem ao máximo a experiência dos eventos.

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